Metade da vida: o momento de descer a montanha

É muito comum ouvirmos falar sobre a crise dos 30 anos, dos 40 anos ou crise da meia idade. Essas atribuições desse momento de crise a determinada faixa etária são bem populares e não podem deixar de ser consideradas. Na psicologia também há outro nome para se referir a esse momento: a fase da metanoia ou a metade da vida. Geralmente se fala que essa fase se inicia por volta dos 35 ou 40 anos, mas isso não é uma regra, podendo se manifestar um pouco antes ou mais tardiamente. A entrada na metanoia significa poder olhar novamente para a nossa vida, nos questionando a respeito do que foi construído como nossa história, como nossa personalidade.

O fato de que esse período da vida seja comumente correlacionado a um momento de crise demonstra o quanto é necessário dar atenção a esse tema. Muito tem sido discutido a respeito do processo de envelhecimento e das dificuldades que as pessoas mais idosas começam a sofrer devido às limitações físicas e psicológicas. Além disso, na nossa sociedade tem havido um culto ao antienvelhecimento, sendo cada vez maior a quantidade de novos procedimentos estéticos que procuram garantir uma aparência mais jovial, uma pele lisa e sem linhas de expressão, o uso de medicamentos que prometem melhorar o sono, atenuar os sintomas da menopausa e aumentar a libido sexual, entre outras tecnologias que aparecem para retardar os efeitos desse processo de envelhecimento.

Além dos impactos físicos e externos que a entrada na metanoia gera, o psicológico também está aberto às influências desse momento de crise e pode ser afetado. Mesmo sabendo que nossa vida tende a um fim e que essa fase exige um outro movimento diante da realidade, temos dificuldade em aceitar isso. Até aproximadamente os 30 anos, a vida se configura de uma forma e depois, com novas demandas e exigências que aparecem no caminho, é preciso se adaptar a um novo ritmo. Ocorre que na primeira metade da vida estamos voltados para o externo, para as conquistas profissionais, para o estabelecimento de vínculos, para as conquistas pessoais, como: casar, ter filhos, ter casa própria e garantir uma estabilidade de forma geral, nos diversos âmbitos. Com essa estabilidade alcançada, torna-se necessário fazer o caminho oposto, ou seja, voltar-se para o mundo interno.

O ciclo da vida se assimila a uma caminhada por uma montanha. Depois de se atingir a meia idade, Jung se refere a essa etapa da seguinte forma: “[…] o impulso teleológico da vida não cessa quando se atinge o amadurecimento e o zênite da vida biológica. A vida desce agora montanha abaixo, com a mesma intensidade e a mesma irresistibilidade com que a subia antes da meia idade, porque a meta não está no cume, mas no vale, onde a subida começou”. No início da caminhada, ainda na base da montanha, temos a tarefa de garantir nossa sobrevivência, formar nossa consciência e assumir as responsabilidades da vida. Com as necessidades básicas supridas, chegamos ao topo da montanha, admiramos a vista, vendo os esforços empreendidos e os frutos que foram colhidos. Do topo, a vista é bonita, olhar para as conquistas é gratificante, mas essa parada no cume é provisória.

Na metanoia é preciso olhar para baixo novamente, mas nesse momento algumas dificuldades começam a aparecer. Pode haver a manifestação de algumas doenças, estados depressivos, preocupação com o próprio envelhecer e com a finitude da vida, pesadelos, maior percepção das nossas fragilidades e um certo apego ao passado. Por isso se faz necessário um movimento contrário, de maior introspecção, devido aos desafios e angústias que podem vir nessa fase. Depois que chegamos na metanoia não há mais necessidade de subir montanhas, tudo pede uma descida e é aí que temos a oportunidade de refletir a respeito do que foi construído e vivido até o momento.

Como você avalia sua trajetória de vida? Você realizou os sonhos que queria ou deixou para trás algo que gostaria de fazer? O que foi negligenciado? Quanto realmente conhecemos de nós mesmos? Que padrões foram sendo conservados e repetidos? Esse é o momento em que há mais tempo para olharmos para nós, refletir sobre quais crenças são verdadeiramente nossas e quais delas adquirimos enquanto estávamos em busca de uma segurança, em busca de pertencimento coletivo. A meta da vida é nos tornarmos quem realmente somos e isso só é possível quando nos permitimos olhar honestamente para como foi se construindo nossa personalidade.

Ter que lidar com sentimentos de medo, dúvida, culpa faz parte desse momento e por mais doloroso que possa parecer, é onde está a chance de adquirir uma nova forma de olhar para nós mesmos. A psicoterapia pode ajudar nesse momento, dando espaço para que a pessoa comece a redescobrir novos sentidos, a reencontrar também o sentido da sua própria vida, suas necessidades pessoais, a fazer a descida da montanha e aceitar esse processo. Enquanto houver resistência permanece o apego ao passado e pouco se aproveita o presente e suas possibilidades ainda desconhecidas.

Referências:

JUNG, Carl Gustav. A natureza da psique. Petrópolis: Vozes, 2000.

HOLLIS, James. A passagem do meio: da miséria ao significado da meia-idade. São Paulo: Paulus, 1995.

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